segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Mais uma do Mestre Dedé Monteiro

 A QUEDA DO BIGODÃO

Fazenda Nova de Higino,
Passagem pra Borborema,
Lugar que vale um poema
Ao doce toque do sino.
Chão que inspirou mestre albino
A compor verso e glosar;
Que fez Matricó sonhar
Pra nos dar como oferenda:
“Canção da Lua”, “Moenda”
Mais “Apreço ao meu Lugar”!

A casa antiga, o engenho,
O rio, a roça, o açude
E a saudade em plenitude
Eternizando o desenho.
Pelas notícias que tenho,
Foi sempre um lugar de paz,
Que ainda guarda os sinais
De um tempo maravilhoso,
Enternecido e saudoso
Que eu sei que não volta mais.

Quantas noites (que alegria!)
Ante o luar reluzente,
O calçadão do nascente
Não se banhou de poesia?!
Durante o mês de Maria,
Em comprovação de fé,
Gente sentada e de pé,
Em frente à mesa florida,
Quanta oração dirigida
À Virgem de Nazaré!

As moagens (que beleza!)
Quanta suada doçura!
Garapa, mel, rapadura...
Como se fosse uma empresa.
Alfenim – delicadeza
Com seu formato de flor.
Antes, bois; depois, motor,
Dando adeus à tradição
E aguçando a inspiração
De um poeta sonhador...

Mas, nesse ambiente lindo,
Calmo e tradicional
Ouve uma quase tragédia
Co’o comandante atual:
Albino, o mesmo que tinha
“Desprezado” Terezinha,
Em vez de lhe dar carona,
Se armou de raiva e carroça
Para entupir uma fossa
Que acidentou sua dona.

A fossa da casa velha,
Que desativada estava,
Afundou com Têca em cima,
Quando menos se esperava...
Na descida da “cisterna”,
Quase que quebra uma perna
E o mundo ficou opaco...
Depois, correu pro banheiro
Pra se livrar do mal cheiro
Do que encontrou no buraco...

Isso foi na sexta-feira.
Na quarta, Albino, nervoso,
Começou encher de terra
O socavão mal cheiroso.
Usando um carro de mão,
Fez muitas listas no chão,
Sem fazer conta das vezes,
Tombando a terra que vinha
Da nova fossa que tinha
Construído há poucos meses.

Com terra à disposição
E uma carroça enfadada,
Tava declarada guerra
À cratera escancarada.
Na vontade de tapar,
Nem veio a desconfiar
Que a laje-casca-de ovo,
Entregue às mãos do desprezo,
Suportando aquele peso,
Pudesse afundar de novo...

E foi o que aconteceu
Com nosso mestre da rima:
O carro travou a roda
E o vate voou por cima...
No tranco da barrocheira,
A laje arriou inteira,
Como uma fera ferida...
E, acompanhando o entulho,
Albino deu o mergulho
Mais fedorento da vida...

Pior de tudo foi que
Foi de cabeça pra baixo
O mergulho que ele deu
Naquele imundo “riacho”...
Quando do mundo deu fé,
Tava ensopado do pé
Até a ponta da venta...
E, em meio a tanto aperreio,
Bebeu quase um copo e meio
Daquela borra nojenta...

Ninguém sabia se estava
Nu, de terno ou de pijama...
Parecia um papangu
Fantasiado de lama...
Têca tentou ajudar...
E Albino: “pode parar,
Não precisa desespero.
Como eu não tô vendo nada,
Me guie, passada a passada,
Na direção do banheiro...”

Mesmo sorrindo que só,
Mas controlada e baixinho,
Improvisando um bastão,
Ela ensinou-lhe o caminho.
Tirou o traje de bicho...
- Têca, sacuda no lixo!
- Sacudo não, vá você!...
O cabelo, uma “prastada”,
E a bota, cheia, lotada,
Só não sei dizer de quê...

E Têca, pra fazer farra,
Inda puxou confusão:
- Mesmo assim diz que eu caí
Por não prestar atenção...
Por acaso tu prestaste
Quando a carroça enganchaste?
Diz aí, seu pomba-lerda!
Até teu bigode caro,
Charmoso, elegante e raro
Tá chamuscado de merda!...

No banho, foi necessário
Meia barra de sabão,
Caco de telha, sabugo,
Pinho-sol, pano de chão...
Passou perfume também,
E, ainda sem cheirar bem,
Foi ao hospital, vexado,
Pensando de si pra si:
“Pelo caldo que eu bebi,
Tô todo contaminado...”

- Doutor, por amor de Deus,
Só você pra me ajudar...
Agilize uma “lavagem”
Pra me descontaminar.
- Por que faz esta proposta?
- Mergulhei num mar de bosta,
E ainda bebi um pouco...
- Calma, poeta, se aguente,
Tenho uma droga potente
Pra lhe tirar do sufoco.

Aplicou-lhe uma injeção
Importada e garantida,
E explicou: “você, com esta,
Vai passar dos cem de vida!”
- Tá certo, doutor, brigado!
Eu só tô preocupado
Porque tenho a impressão
Que algum cristão fofoqueiro
Que passou no meu terreiro
Contou pra Dedé Monteiro
“A QUEDA DO BIGODÃO”...

(Dedé Monteiro)

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