sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Cego, o Guia e Gonga Monteiro
 













Gonga Monteiro, grande poeta Tabirense, irmão de Dedé Monteiro, certa vez escreveu a história da esperteza de um guia e a inocência de um cego. Com seu humor ímpar, o poeta nos envolve com seus causos, que contam sempre com um final surpreendente, duvida? É só ler abaixo:

O CEGO E O GUIA


Um compadre meu um dia
Contou-me um caso engraçado
Dum ceguinho que pedia
Na calçada do mercado.
Passava o dia pedindo,
O povo entrando e saindo,
Quand’um não dava outro dava.
E ele, nos louvores seus,
Dizia: “graças a Deus!”
Quando uma esmola ganhava.

Mais ou menos meio dia,
O sol quente feito brasa,
As esmolas recolhia
Pra levar tudo pra casa.
Dava um assovio fino,
Aí chegava um menino
Que eu não sei donde saía
E, alguns minutos depois,
Dividia o saco em dois,
Um pra ele, outro pro guia.

Nos sacos tinha de tudo:
Milho, farinha, feijão,
Doce pequeno e graúdo,
Biscoito, bolacha e pão,
Manga, laranja, banana,
Uma garrafa de cana,
Não que o povo tenha dado;
É que o cego cachaceiro,
Depois que conta o dinheiro
Compra a cana no mercado.

Mas deixe a cana de lado,
Nenhum crime nisso eu vejo.
Na saída do Mercado
Ganharam um taco de queijo.
E o guia falou: “Ceguinho,
Quando chegar no caminho
Esse queijo a gente come?”
E o cego, de voz maneira:
“Na sombra da ingazeira
Vamos matar nossa fome.”

O guia era uma beleza:
Desenrolado e ladrão.
Se o patrão desse moleza
Ele roubava o patrão…
E como o patrão não via,
Foi então aí que o guia
Deu uma de espertinho,
Enganando o pobre cego,
Tirando o bucho do prego,
Comendo o queijo sozinho.

Chegando no pé de ingá,
Botaram os sacos no chão
E o ceguinho disse: “Vá,
Desamarre o matulão…
Tire esse queijo pra fora
Que eu acho que está na hora
De alimentar a matéria:
Você se fortificar
E eu também quero tirar
A barriga da miséria.”

O condenado do guia,
Se fazendo de inocente,
Virava o saco e dizia
Ao patrão deficiente:
“Pode ter acontecido
Desse queijo ter caído…”
E o cego, contrariado,
Ao sujeito respondia:
“Como é que o queijo caía
Se o saco estava amarrado?

Deixe de senvergonheza!
Conte o que aconteceu,
Que eu tenho quase certeza
Que foi você quem comeu!
Eu tava desconfiado
Que você vinha calado
Desde o centro da cidade…
Cabra da vergonha pouca,
Deixe eu cheirar sua boca
Que a gente sabe a verdade…

Aí o pobre do guia
Ficou sem jeito e sem clima,
Sem saber o que faria.
Pra dar a volta por cima…
Tirou a roupa ligeiro,
Colocou o “fevereiro”
Assim de boca pro ar
E cochichou em voz rouca:
“Tá aqui a minha boca,
Se quiser pode cheirar…”

O cego botou a venta
No fê-o-fó do rapaz,
Disse: “Eita coisa nojenta!
Tu tás fedendo demais!”
Depois disse assim: “Menino,
Eu a ninguém recrimino,
Cada um faz o que gosta.
Você não comeu meu queijo,
Mas pelo jeito que eu “vejo”,
Meu “fi” tá comendo é bosta!…”

(Gonga Monteiro)

Nenhum comentário:

Postar um comentário